A Espiritualidade vicentina   está pautada, desde sua gestação, mediante o testemunho de Vicente de Paulo e   seus primeiros companheiros de missão, no contexto da Igreja do século XVII,   na França, em cinco virtudes, colhidas do Evangelho de Jesus Cristo e da sua   práxis libertadora junto ao povo empobrecido e marginalizado, os   protagonistas do Reino de Deus, por Ele mesmo inaugurado na humanidade. Estas virtudes são assim   nomeadas pelo próprio Vicente de Paulo: SIMPLICIDADE, HUMILDADE,   MORTIFICAÇÃO, MANSIDÃO, ZELO PELAS ALMAS (ZELO APOSTÓLICO), também   denominadas pelo próprio Vicente de Paulo de Conselhos Evangélicos. Ao   tratarmos das virtudes vicentinas, não estamos falando de conteúdos   teológicos rebuscados de múltiplas interpretações hermenêuticas, mas de   posturas humanizantes e humanitárias da pessoa que assume uma missão dentro   do universo da espiritualidade vicentina junto aos mais carentes, lugar   social, geográfico, cultural e teológico do agente de pastoral com identidade   eminentemente vicentina. Assim sendo, nós vicentinos,   somos reconhecidos pelos mais empobrecidos não tanto pelo nosso discurso   hermenêutico e teológico, mas primordialmente por nossa postura aproximativa   do mundo dos pobres, ou seja, pelo nosso esforço imensurável em nos   inculturar no seu universo, que é por demais exigente para nosso padrão de   vida enquanto pertencente a uma instituição carregada de tradições milenares,   semelhantes a todas as instituições que compõem o catolicismo na humanidade. Inspirados na própria concepção   que São Vicente de Paulo teve dos Conselhos Evangélicos, podemos dizer que as   Cinco Virtudes vicentinas dão uma configuração própria à nossa maneira de   viver os quatro Votos na Pequena Companhia (Congregação da Missão):   Castidade, Pobreza, Obediência, Serviço aos Pobres (Estabilidade). No   presente texto procuraremos expor de forma bastante sintética em que   corresponde cada Conselho Evangélico dentro da Espiritualidade Vicentina,   desmembrando cada um deles em seis Características ou Dimensões, em se   tratando da busca de transformá-los em testemunho vivo no mundo de hoje: Eixo   Vicentino, Dimensão Humana, Dimensão Espiritual, Dimensão Intelectual, Dimensão   Comunitária, Dimensão Apostólica. Por final, descreveremos pelas próprias   palavras de São Vicente de Paulo, através de seus escritos, pequenos trechos   sobre cada uma das Cinco Virtudes Vicentinas. 1. SIMPLICIDADE A virtude da Simplicidade   educa-nos na capacidade de desenvolver os valores da verdade, da sinceridade,   da transparência. Viver plenamente a simplicidade nos ajudará a evitar ser   falsos uns com os outros e muito menos com o povo; por esta virtude somos   chamados a ser simples, a dizer as coisas como são, sempre com sinceridade em   relação à outra pessoa. Diante dos desafios que o pluralismo de idéias e de   valores e contra-valores que a sociedade capitalista nos impõe, precisamos   ficar mais atentos em relação à nossa postura junto ao povo e o cultivo de   valores que não são transitórios, mas base para a vida com dignidade. Um   desses valores é o cultivo da simplicidade. O povo ao qual procuramos   evangelizar se aproximará de nós mediante nossa postura diante dele. A   simplicidade impregnada em nossos atos possibilitará essa pedagógica   aproximação do povo mais simples a nós e vice-versa. O próprio São Vicente definiu   na sua vivência a importância desta virtude na vida de um vicentino: “A   simplicidade é a virtude que mais amo, eu a chamo de meu evangelho” (SV   I,284). a. Eixo Vicentino: A vivência   da Virtude da Simplicidade educa-nos para a proximidade do mundo dos pobres   na realidade de hoje em seu universo sócio-econômico, cultural, religioso,   geográfico; tal aproximação coloca-nos em clima de disponibilidade para   acolhermos e nos aproximarmos do diferente, da compreensão do pluralismo no   meio da humanidade, favorecendo-nos em nossa missão de instrumentos da   universalidade da salvação inaugurada por Jesus de Nazaré em sua práxis   libertadora. b. Dimensão Humana: A vivência   da Virtude da Simplicidade no concernente à dimensão humana leva-nos ao   tratamento da pessoa com o devido cuidado e atenção que ela merece, o que   favorece à mesma sentir-se saudável psíquica e fisicamente, pois sentir-se   uma pessoa amada no seio de uma comunidade e em meio à sociedade produz um   aspecto profundamente agradável no sentimento da auto-estima. A simplicidade   no nosso viver vicentino leva-nos a quebrar barreiras na convivência com os   mais pobres, proporcionando-nos maior aproximação ao seu universo de vida,   levando-nos a contribuir no processo de sua própria educação, visando a   integralidade da sua própria pessoa. c. Dimensão Espiritual: A   experiência da Simplicidade na vida exige de cada um de nós uma busca   saudável do equilíbrio entre trabalho e descanso recreativo. A   Espiritualidade vicentina necessita de uma forte experiência de Deus para que   possamos irradiá-la no serviço aos pobres. Conseqüentemente, nossa inserção   no mundo dos pobres a partir do cerne da nossa Espiritualidade, exige-nos a   clara consciência de que fazemos este esforço não por meras motivações, mas   pela convicção de estarmos contribuindo qualitativamente na construção do   Reino de Deus aqui e agora. d. Dimensão Intelectual: A   procura da vivência da Simplicidade no meio dos pobres traz-nos também uma   exigência no aspecto intelectual; para que a nossa ação de aproximação ao   mundo dos pobres seja sinal de transformação profética, precisamos investir   em nossa própria formação inicial e permanente, motivados pelo ideal da   compreensão das causas da pobreza para atacá-las com precisão. Para essa   formação permanente acontecer precisamos de motivações internas e externas,   lembrando que a sociedade atual, por si mesma, já nos faz essa exigência,   pois torna-se, progressivamente, mais pluralista e complexa. Neste sentido,   trabalhar com os pobres no nosso contexto atual exige de nós busca constante   de preparação intelectual justamente pelo respeito que devemos ter à   dignidade de todo ser humano. E o empobrecido não é um ser menos humano. e. Dimensão Comunitária:   Vivenciar a virtude da Simplicidade no concernente à dimensão comunitária   exige colocarmo-nos na escola do Evangelho e também de São Vicente, para   aprendermos sempre a alegria de partilhar com os irmãos na fé, sobretudo os mais   empobrecidos da nossa história o saber, os bens, os dons e a vida. Nossa   presença no meio do povo é sempre uma experiência de troca de saberes em   todas as dimensões da vida. f. Dimensão Apostólica:   Cultivar a Simplicidade em nossas comunidades apostólicas compromete-nos a   interiorizar progressivamente o valor de distribuir responsabilidades com os   irmãos de fé, lembrando-nos que um dos aspectos da nossa vivência comunitária   vicentina é alimentar nossa espiritualidade para um autêntico testemunho   missionário no meio dos pobres do nosso tempo. Uma de nossas máximas é esta:   Vida em comunidade para a Missão. Finalizando nossa reflexão   sobre a virtude da Simplicidade, vejamos uma belíssima descrição do próprio   Vicente de Paulo sobre esta máxima evangélica: “Deus é simples. Onde   encontrares a simplicidade cristã caminharás seguro; pelo contrário, os que   recorrem a precauções e artimanhas estão num medo contínuo de que descubram   seu artifício e que, ao se ver surpreendido em sua falsidade, ninguém quer   ter confiança neles. Da minha parte, posso afirmar, uma grande experiência me   demonstrou, para minha satisfação que uma fé vigorosa e um verdadeiro   espírito de religião encontram-se freqüentemente entre as pessoas simples e   pobres. Deus se compraz em enriquecê-las com uma fé viva: eles crêem,   apalpam, saboreiam as palavras de vida eterna que Cristo nos deixou em seu   evangelho. Em geral, suportam pacientemente suas enfermidades, aflições e necessidades,   sem nunca se queixarem ou murmurar. Todo mundo sente atração por pessoas que   são simples e cândidas, pessoas que se recusam a empregar a astúcia, os   enganos. São populares, porque agem ingenuamente e falam com sinceridade;   seus lábios estão de acordo com seus corações. São amadas e estimadas em toda   parte...”(SV XI, 740s, 462). 2. HUMILDADE São Vicente de Paulo define a   Humildade como a virtude que dá a característica essencial à missão na   Pequena Companhia. A humildade é a virtude que nos torna capazes de   reconhecer e admitir nossas fraquezas e limitações, criando assim a   possibilidade de confiar mais em Deus e menos em nós mesmos. A humildade   ajuda-nos a nos livrarmos da nossa auto-suficiência, a reconhecermos nossa   dependência do amor do Criador e nossa interdependência comunitária. Ao mesmo   tempo, a humildade nos capacita para reconhecer nossos talentos, talentos que   devem ser postos a serviço das outras pessoas. É a virtude que permite aos   pobres aproximar-se de nós. É a virtude que nos ajuda a ver que todos somos   iguais aos olhos de Deus. A vivência desta virtude educa-nos e capacita-nos,   em contrapartida, para aproximar-nos progressivamente dos Pobres. Esta virtude nos impulsiona a   um processo contínuo de inculturação no mundo dos pobres, encorajando-nos a   um esforço de identificação com os mesmos. Diante de uma sociedade   tremendamente hedonista, individualista, separatista, perfeccionista do ponto   de vista da aparência física em detrimento do cuidado integral do ser, a   vivência da humildade se torna mais desafiadora, pois exige-nos maior   sociabilidade a partir de dentro do nosso próprio lar, nosso grupo de   convívio. a. Eixo Vicentino: A humildade,   segundo São Vicente, é a virtude eminentemente evangélica. Jesus é o único   mestre. Na conferência de 18 de abril de 1659, São Vicente se perguntou: “Em   que consiste a humildade?” E respondeu: “Em querer o desprezo, em desejar a   humilhação, em alegrar-se quando nos vemos humilhados, por amor a Jesus   Cristo”. (SV XI, 488) A humildade faz-nos criar um sentido de pertença a um   objetivo comum. Quando estamos dispostos a formar comunidade, construir   unidade, nos entusiasmamos em trabalhar com objetivos comuns, somos capazes   de nos doar, propor, aceitar e reconhecer como comunidade em vista da missão   de evangelizar comunitariamente os pobres. b. Dimensão Humana: A virtude   da humildade nos educa para a tolerância dialogada. Torna-se condição   necessária para desenvolvermos, crescermos e fortalecermos como pessoas em   comunidade, em sociedade de vida apostólica, como atitude que nos leva a   reconhecer que todos necessitamos do outro para enriquecermos e superar   nossas próprias dificuldades e individualidades. A abertura ao diálogo, o   respeito, a atitude de compartilhar, a capacidade de escutar, de falar e de   agradecer podem ser formas muito atuais da virtude da humildade. c. Dimensão Espiritual:   Reconhecer que somos redimidos pelo Ressuscitado. A humildade nos faz ver que   o ser humano é pecador e o sensibiliza perante o pecado. A atitude de nos   reconhecer pecadores perdoados pelo sangue de Cristo nos responsabiliza a   reconhecer que nossa vida se enriquece e fortalece com o perdão; o perdão   implica aceitação, e para aceitar é necessário sair de nós mesmos,   esvaziarmos de nós mesmos, dar um passo na direção do outro, quebrar nossas   arestas, derrubar muros, construir pontes. d. Dimensão Intelectual:   Reconhecer que somos pessoas limitadas, interdependentes, complementares.   Temos opiniões diferentes diante da realidade que nos cerca e por isso mesmo   a vivência da virtude da humildade nos faz constatar que é necessário estar   dispostos à escuta dos outros e à reflexão, para juntos construir o caminho   do discernimento coerente ao clamor da realidade. e. Dimensão Comunitária: A   virtude da humildade nos faz conscientes de nossas limitações e nos capacita   para a aceitação da colaboração do outro em vista da missão. A atividade   missionária corre sempre o risco de ser dominadora e auto-suficiente, de   encerrar-se nas próprias idéias e métodos, de negar a colaboração do outro e   da outra. A humildade faz com que o missionário, ao mesmo tempo que   evangeliza, se deixe evangelizar e que pregue não sua palavra, mas a Palavra   de Deus, assegurada pelo magistério da Igreja. f. Dimensão Apostólica: A   virtude da humildade nos impulsiona a posicionarmos diante da missão   apostólica não como donos de determinada situação mas como seres que estão   dispostos a somar nossas qualidades e dons, simplesmente como colaboradores.   Isso requer um processo de conversão onde cada um coloca o seu ser e faz o maior   esforço para suscitar a mudança pessoal e estrutural, na sã consciência de   que o único indispensável é a presença de Deus. Tudo o mais é transitório,   instrumental para a eficácia da construção do Reino de Deus. Concluindo a reflexão sobre a   virtude da humildade, lançamos mão de palavras do próprio São Vicente em seus   magníficos escritos, destacando sua dimensão missionário-pastoral. Vejamos:   “Entendei bem isto, meus senhores e meus irmãos: nunca poderemos fazer a obra   de Deus se não tivermos uma profunda humildade e uma humildade de opinião   sobre nós mesmos. Não, se a Companhia da Missão não é humilde, se não tem a   fé e a convicção de que não pode fazer o bem, que é mais apta para   atrapalhá-lo, nunca realizará nada de grande; mas quando tem e vive o espírito   do que acabo de dizer, então, ficai seguros, senhores, estará capacitada para   fazer a obra de Deus, porque Deus usa de seus membros para suas grandes   obras” (SV IX, 71, 284,809). 3. MANSIDÃO Etimologicamente, mansidão vem   de “mansuetude” e manso de “mansus”, forma do latim vulgar de “mansuetus”.   Tem um significado de comportamento aconchegante, familiar, doméstico.   Conceitualmente, a mansidão se entende como a força, a virtude, que permite a   pessoa moderar razoavelmente sua ira e indignação. A razoável indignação pode   ser com freqüência sã e saudável, transposição lícita da sobrecarga   psicológica a um ato de zelo pela glória de Deus, pela justiça ou pelo bem do   próximo. A mansidão não é agressiva, raivosa, barulhenta. Certamente é uma virtude chave   na comunidade. É a virtude que ajuda a construir a confiança de uns nos   outros, porque, quando somos amáveis, os que são tímidos se abrirão em   relação a nós. Por estas razões podemos dizer que a mansidão é a virtude por   demais vocacional, como constatou o próprio São Vicente: “Se não se pode   ganhar uma pessoa pela amabilidade e pela paciência, será difícil consegui-lo   de outra maneira” (SV VII, 226). A mansidão inspira um trato suave,   agradável, educado, e fundamenta a tolerância, valor este muito importante para   a convivência em uma sociedade plural em que o respeito à pessoa e à sua   liberdade deve ser uma lei indiscutível. a. Eixo Vicentino: Com certeza,   todas as virtudes contribuem para o dinamismo da vida comunitária em vista da   missão. Todas as virtudes trazem em seu bojo um aspecto construtivo da   vivência comunitária, porém é evidente que a mansidão entra em jogo por seus   próprios valores e porque a comunidade se faz mediante relações plenas de   conteúdo humano, cristão e vicentino. Devem ser expressões de pessoas que se   estimam, se querem e se entreajudam. Toda atitude dura, de rechaço, de   desprezo, pode ser superada precisamente pela prática da mansidão. b. Dimensão Humana: A vivência   da mansidão no aspecto humanitário ajuda-nos no processo da aceitação e compreensão   da cultura do outro, nos colocando num processo de crescimento junto ao   diferente, abrindo-nos à dinâmica da inculturação, educando-nos no processo   da complementariedade. No trabalho junto aos mais pobres essa abertura é   essencial para uma autêntica inserção popular. c. Dimensão Espiritual: Viver a   virtude da mansidão no aspecto espiritual compromete-nos a inspirarmos na   mansidão divina para com o seu povo na caminhada da história da salvação.   Remete-nos à práxis da paciência histórica mediante a atitude do Criador para   com as suas criaturas. Sem dúvida, um tema relacionado com a mansidão é o da   hospitalidade, que é uma característica que deve distinguir um Vicentino: uma   pessoa acolhedora; uma pessoa que está atenta às necessidades dos outros, especialmente   dos marginalizados e transeuntes. d. Dimensão Intelectual: A   mansidão causa a paz e cria melhores condições para o discernimento. A   importância que tem, moral e espiritualmente falando, o cultivo da mansidão,   é que livremente, permite-nos ver a importância da paz interior e exterior   como condições para um bom discernimento. Se não há paz interior,   tranqüilidade e serenidade, a opção sempre é suspeitosa e moralmente   imperfeita. Portanto, a mansidão é uma ferramenta que nos ajuda a buscar e   defender a verdade, favorece a busca incansável do discernimento no serviço   aos pobres. e. Dimensão Comunitária: A vida   em comum, se não está animada pela mansidão, se torna insuportável. É   evidente que é difícil conviver com pessoas irritáveis e duras. A condescendência   pode ser uma expressão indubitável de mansidão. São Vicente disse o seguinte   sobre a condescendência: “Em uma comunidade, é necessário que todos os que a   compõem e que são como seus membros sejam condescendentes uns com os outros.   Com esta disposição, os sábios têm que condescender com a debilidade dos   ignorantes, nas coisas em que não há erro e nem pecado. Os prudentes e sábios   devem condescender com os humildes e simples. E com esta mesma   condescendência, não só temos de aprovar os pareceres dos demais nas coisas   boas e indiferentes, senão incluso preferirmos aos nossos, crendo que os   demais têm luzes e qualidades naturais e sobrenaturais maiores e mais   excelentes do que nós. Porém temos de evitar muita condescendência com os   outros em coisas más, pois isto não seria virtude, senão um defeito, que   proviria da libertinagem de espírito, ou de nossa covardia e pusilanimidade”   (SV XI,758). f. Dimensão Apostólica: A   apostolicidade da virtude da mansidão consiste basicamente em centrar nossas   pregações no discernimento da procura da justiça e da paz que brotam da   Palavra de Deus. Neste sentido, convém estar convictos de que nossas atitudes   de bondade e coerência convencem muito mais as pessoas do que sermões, muitas   vezes carregados de sentimentos contraditórios e moralismos exagerados.   Nossas atitudes evangelizam mais que nossas palavras. Por isso mesmo, elas   necessitam estar imbuídas da sensibilidade social na defesa incondicional dos   direitos da pessoa humana, sobretudo dos mais pobres e excluídos. No final desta reflexão sobre a   virtude da Mansidão, vejamos mais algumas palavras do mestre Vicente de   Paulo: “Não há pessoas mais constantes e firmes no bem que aqueles que são   mansos e pacíficos; pelo contrário, os que se deixam levar pela cólera e   pelas paixões são geralmente muito inconstantes, porque agem por impulsos e   ímpetos. São como as correntezas que só têm força e impetuosidade nas chuvas,   mas secam logo depois de ter passado o temporal, enquanto os rios que   representam as pessoas pacíficas caminham sem ruído, com tranqüilidade, sem   jamais secar” (SV XI, 752). 4. MORTIFICAÇÃO Por esta virtude somos   interpelados a morrer para nós mesmos. É a virtude que pede que nos   entreguemos totalmente, pensemos primeiro nos outros, pensemos especialmente   nos Pobres antes de pensar em nós mesmos. Esta virtude educa-nos para o   altruísmo em detrimento do nosso egocentrismo. Assim nos diz São Vicente: “Os   santos são santos porque seguem as pegadas de Jesus Cristo, renunciam a si   mesmos e se mortificam em todas as coisas” (SV XII, 227). a. Eixo Vicentino: Em tempos de   busca de refundação e refontização da Vida Consagrada, urge-nos enquanto   vicentinos aprofundar o carisma que nos identifica no mundo e retomar nossas   tradições fundantes, bem como nossas constituições, nossos bons costumes como   alimentos sólidos em vista de um testemunho mais autêntico na humanidade   hodierna. b. Dimensão Humana: Embora   nosso tipo de trabalho seja diverso do que a maioria da população, cabe-nos   saber utilizar bem o nosso tempo e os meios que temos em nossas mãos em vista   da nossa missão junto às pessoas. Em respeito e solidariedade ao trabalho   duro das pessoas para sobreviver temos o dever moral de fazer bom uso de tudo   o que dispomos. É preciso que utilizemos o tempo responsavelmente. c. Dimensão Espiritual: A   oração pessoal e comunitária é uma fonte irrenunciável para um autêntico   vicentino, por isso mesmo foi insistentemente recomendada por São Vicente. É   muito importante rezar de modo disciplinado, dar à oração seu tempo,   compartilhar com os irmãos sua espiritualidade, fazer dos sacramentos um   alimento para a vida missionária. d. Dimensão Intelectual: Em   contrapartida ao consumismo desenfreado da sociedade, é saudável viver a   sobriedade diante do uso das coisas, levar um estilo de vida simples,   educarmos numa vida ascética, por mais difícil que seja. Para conseguirmos   dar passos neste sentido, é profundamente necessário que utilizemos em tudo o   senso crítico dentro de uma corresponsabilidade evangélica. e. Dimensão Comunitária: A   vivência comunitária exige-nos, progressivamente, profunda sensibilidade   evangélica. Por sermos irmãos no Senhor, é de se supor que sempre nos   sentiremos mais próximos uns dos outros. Portanto, que nossas amizades não   sejam exclusivas nem excludentes. Hoje todos somos chamados a participar no   processo de tomada de decisões e a viver uma obediência responsável.   Interpela-nos expressar nossas opiniões. Isto gasta muito tempo e, às vezes,   é penoso. Por isso mesmo é para alguns uma grande mortificação. f. Dimensão apostólica:   Entendendo por mortificação renunciar a comodidades para nos doarmos para que   o outro tenha mais vida, cabe-nos estar dispostos para responder às   necessidades da própria comunidade e às do povo de Deus, sobretudo aceitando   as mudanças de local geográfico e social, vendo nesta dinâmica de vida   apostólica os apelos do Deus da Vida. Todos nós somos dotados de muitas   qualidades e talentos. Colocá-los a serviço é sempre uma virtude. A   apostolicidade da virtude da mortificação nos impulsiona a estarmos sempre   abertos ao inesperado, pois com freqüência somos interpelados a responder a   novas situações, e isso extrai de nosso interior recursos pessoais que nem   sabíamos que possuímos. Portanto, a abertura ao novo é profundamente   necessário na espiritualidade vicentina. Bebamos mais um pouco na fonte   de Vicente de Paulo sobre a virtude da Mortificação: “Somos firmes em   resistir à natureza, pois se permitimos que alguma vez se cole em nós um pé,   se meterá até quatro. E estamos seguros de que a medida de nosso progresso na   vida espiritual está em nosso progresso na virtude da mortificação, que é   especialmente necessária para os que hão de trabalhar na salvação das almas,   pois é inútil que preguemos a penitência aos demais, se nós estamos vazios   dela e se não a demonstramos em nossas ações e modo de nos comportar” (SV XI,   758-759). 5. ZELO APOSTÓLICO Podemos identificar o zelo   apostólico com paixão pela humanidade. O zelo é a conseqüência de um coração   verdadeiramente compassivo. Trata-se da paixão por Cristo, paixão pela   humanidade e paixão especialmente pelo Pobre. O zelo é uma virtude   verdadeiramente missionária. Expressa-se em forma de disponibilidade, de   disposição para o serviço e a evangelização, mesmo quando as forças físicas   já estão decadentes. Assim sendo, relacionado com o zelo está o entusiasmo,   que leva à ação. Podemos entender o zelo como uma expressão concreta do amor   efetivo, que é motivado pela compaixão, ou amor afetivo. a. Eixo Vicentino: O zelo é a   quinta virtude característica e mais própria do missionário vicentino. O   próprio São Vicente assim qualifica o “zelo pelas almas”: “Se o amor de Deus   é um fogo, o zelo é sua chama. Se o amor é um sol, o zelo é o seu raio” (SV XII,   307-308). O Zelo Apostólico é o amor pela missão que dura a vida inteira.   Vicente de Paulo trabalhou com constância até o final de sua vida. O Zelo é,   pois e antes de tudo, entusiasmo, e entusiasmo significa cheio de Deus,   plenitude de Deus. b. Dimensão Humana: Zelo é amor   ardente, uma disponibilidade para ir em qualquer lugar para falar de Jesus   Cristo, ainda que em circunstâncias difíceis; disponibilidade para morrer por   Ele. O testemunho do zelo apostólico inclui não só um profundo amor afetivo   pelo Senhor e por seu povo mas também deve se expressar no amor efetivo e no   sacrifício. Para bem e melhor servir ao povo a nós confiado torna-se   necessário o devido cuidado com nossa saúde e o equilíbrio do nosso ser. c. Dimensão Espiritual: O Zelo   cria a disponibilidade de ir a todo o mundo levar, como Jesus Cristo e os   apóstolos esse fogo de amor e de temor de Deus. O Zelo fortalece, aumenta a   capacidade de trabalhar, capacita para sofrer tudo pela glória de Deus e   salvação do próximo. O Zelo atualiza o comportamento do missionário,   aceitando as exigências da Nova Evangelização: novos conteúdos, novas   expressões, um novo ardor que não é outra coisa que a atualização do zelo   apostólico ou da caridade apostólica. Para esta finalidade precisamos de uma   sólida espiritualidade vicentina. d. Dimensão Intelectual: Zelo é   amor fiel e perseverante. É fácil amar durante algum tempo. Mas amar durante   toda a vida é mais difícil. Assumir compromissos permanentes é hoje mais   difícil do que foi no século XVII, sobretudo porque muitos dos apoios sociais   que ajudavam a sustentá-los naquele tempo, hoje desapareceram. O Zelo hoje se   manifesta como fidelidade. Ouro provado no fogo. Exige-nos encontrar   criativamente novas maneiras de amar, apesar das mudanças bruscas. Como   afirmava São Vicente: “O amor é inventivo até o infinito” (SV XI, 65). O Zelo   leva o missionário a adaptar-se e encontrar novas formas de servir aos   pobres, apelando à capacitação profissional e especialmente através da   formação permanente. Assim nos tornamos mais efetivos perante um mundo mais   exigente. e. Dimensão Comunitária:   Demonstra-se Zelo com o desejo de conseguir operários para a messe. Com o   entusiasmo em comunicar a Palavra pela convivência agradável dentro e fora da   comunidade interna. O amor é contagioso. O fogo se propaga. Um amor ardente   busca se comunicar aos outros, atrai todos à mesma maravilhosa missão com que   se está comprometido. O Zelo nos leva a compartilhar com alegria com outras   pessoas, aproveitando os espaços formais e informais. O Zelo é amor fiel e   perseverante. f. Dimensão Apostólica: O Zelo   indiscreto se mostra hoje com o trabalho excessivo, muitas vezes sem   critérios equilibrados. Hoje é tão importante como no tempo de São Vicente, o   conhecer nossas limitações, aceitar nossa condição de seres criados,o   desenvolver um estilo de vida equilibrado que inclui o descanso suficiente e   o tempo de lazer. Também é importante manter-se em boa condição física para   ter a energia que caracteriza o zelo. A ética do cuidado aplica-se   interinamente ao nosso ser por causa da missão. Outro aspecto da dimensão   apostólica do Zelo é a busca de assumirmos responsabilidades compartilhadas,   trabalho em equipe, decisões colegiadas. Esse caráter educa-nos para a   valorização dos ministérios em suas múltiplas modalidades apostólicas e   teologais. Enriqueçamos nossa visão sobre   o Zelo Apostólico com palavras inquietantes de Vicente de Paulo: “Buscamos a   sombra, não nos gosta sair ao sol. Não goste tanto da comodidade! Na missão,   pelo menos, estamos na igreja, a coberto das injúrias do tempo, do ardor do   sol, da chuva, ao que estão expostas essas pobres gentes. E gritamos pedindo   ajuda quando nos dão um pouquinho mais de ocupação que do ordinário! Meu   quarto, meus livros, minha missa! Está bem! É ser missionário, ter todas as   comodidades? Deus é nosso provedor e atende todas nossas necessidades e algo   mais, nos dá o suficiente e algo mais. Não sei se nos preocupamos muito de   agradecê-lo. Vivemos do patrimônio de Jesus Cristo, do suor dos pobres” (SV   XI, 120-121). Palavras Conclusivas: As virtudes características nos   ajudam a permanecer fortes diante de qualquer obstáculo que nos dificulte   viver plenamente a vocação a que fomos chamados. Como sabemos, as virtudes   características são aqueles valores evangélicos que São Vicente contemplava,   de modo especial em Jesus Cristo. São virtudes de que sentiu necessidade e,   ainda mais, que se esforçou por viver, compreender e por em prática durante   toda a sua vida. Façamos da oração de São   Vicente para pedir o Zelo, nossa súplica missionária: “Ó Salvador, ó meu bom   Salvador, apraza à vossa divina bondade livrar a Missão deste espírito de   ociosidade, de busca das próprias comodidades e dar-lhe um zelo ardente por   vossa glória, que faça abraçar tudo com alegria e que nunca a deixe recusar   uma ocasião de vos servir” (Repetição de Oração de 24 de julho de 1655). BIBLIOGRAFIA DE APOIO: Congregação da Missão –   Constituições e Estatutos. Cúria Geral da Congregação da Missão. Roma – 1984. Carta do Superior Geral da   Congregação da Missão, Quaresma de 2007. Manual de Espiritualidade   Vicentina. Coleção Vicentina 12. MALONEY, Pe. Roberto P., O   Caminho de Vicente de Paulo, Coleção Vicentina 10. CLAPVI, Ano XXXII, N. 124   (periódico). FLORES,   Miguel Pérez, CM. Revestirse Del Espíritu de Cristo. Expresión de la   identidad vicenciana. Editorial CEME. Salamanca. Fonte:  Pe. Luiz Roberto   Lemos do Prado, CM Pe. Alexandre Nahass Franco, CM  |